A Convenção 158 da OIT
CONVENÇAO 158 OIT
1. INTRODUÇÃO - 2. DA ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO – OIT - 3. DOS TRATADOS INTERNACIONAIS - A ORIGEM HISTÓRICA DE SUA INCONSTITUCIONALIDADE - 4. DA NECESSIDADE DE LEI COMPLEMENTAR PARA A APLICABILIDADE DE ALGUMAS NORMAS CONSTITUCIONAIS - 5. DA DISPENSA DO EMPREGADO E A NORMA CONSTITUCIONAL - 6. DA CONVENÇÃO 158 DA OIT - 7. DA INCORPORAÇÃO DAS NORMAS INTERNACIONAIS NO DIREITO BRASILEIRO - 8. DA SUPREMACIA DA NORMA INTERNA SOBRE TRATADOS INTERNACIONAIS - 9. DA INAPLICABILIDADE DA CONVENÇÃO NO BRASIL - 10. DA DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DE CONVENÇÕES DA OIT PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – O CASO DA CONVENÇÃO Nº 110 - 11. DA DENÚNCIA DA CONVENÇÃO 158 DA OIT - 12. CONCLUSÃO
Profa. Silvia Fazzinga Oporto
1. INTRODUÇÃO
Publicada em 22 de junho de 1982, durante a 68ª reunião da Conferência Internacional do Trabalho, a Convenção 158 da OIT - Organização Internacional do Trabalho (anexo 2), estabeleceu normas sobre o término do contrato de trabalho por iniciativa do empregador e proteção às relações de emprego.
Mesmo após já ter aderido àquela Convenção, em 1988 o Brasil promulgou nova Constituição, cuja matéria foi regulada em seu artigo 7º, I.
Não bastante, foi estabelecido pelo poder constituinte através do artigo 10, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que até a edição da lei complementar, do artigo 7º, o limite da proteção “nele referida” ao aumento, para quatro vezes, da percentagem prevista no artigo 6º, caput, e §1º, da Lei n.º 5.107, de 13 de setembro de 1966.
Em 16.9.92, o Congresso Nacional aprovou o texto da Convenção n.º 158 através da edição do Decreto Legislativo n.º 68 (anexo 3), publicado no “Diário Oficial da União” de 17.9.92, tendo sido efetuado o respectivo depósito da Carta de Ratificação em 5 de janeiro de 1995, junto ao Diretor-Geral da OIT, ou seja, tal Convenção passaria a vigorar no contexto nacional a partir de 5 de janeiro de 1996.
Ainda, em cumprimento ao disposto no artigo 84, IV, da Constituição Federal, o Poder Executivo promulgou tal dispositivo, através da expedição do Decreto n.º 1.855 (anexo 4), de 10.4.96, dando entrada da referida Convenção em nosso direito positivo.
Importante ressaltar que na época, somente vinte e duas dentre as cento e setenta e cinco Nações que integram a OIT ratificaram a Convenção n.º 158.
Na prática, alguns juízes trabalhistas entenderam aplicáveis as regras da Convenção de forma imediata. Alguns magistrados chegaram a liminarmente decretar a reintegração de empregado dispensado e indenizado, admitindo a dupla reparação ou a convivência de ambos os critérios, que, na verdade, se excluem.
Seguiram-se embates em todos os níveis do Judiciário Especializado, batendo às raias do Supremo Tribunal Federal a apreciação da constitucionalidade da Convenção 158 da OIT.
Tal polêmica levou o Poder Executivo a formalizar a denúncia da referida Convenção.
2. DA ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO – OIT
A primeira Guerra Mundial transformou o mapa social e econômico do mundo. Fruto do processo de paz, a OIT – Organização Internacional do Trabalho foi criada em 1919 (anexo 1), junto com a sociedade das Nações, em virtude do Tratado de Versalhes.
Na Organização se cristalizou a preocupação pela reforma social suscitada pela Revolução Industrial, assim como a convicção de que uma reforma realista só poderia ser realizada com êxito no plano internacional.
Vinte e cinco anos mais tarde, a OIT se preparou para o período de reconstrução que se seguiria à 2ª Guerra Mundial, adotando a Declaração da Filadélfia, que constitui uma reafirmação dinâmica e ampliada de seus objetivos e princípios fundamentais, que são os seguintes:
O trabalho não é uma mercadoria;
A liberdade de expressão e de associação é essencial para o progresso constante;
A pobreza, em qualquer lugar, constitui um perigo para a prosperidade de todos;
Todos os seres humanos sem distinção de raça, credo ou sexo, têm direito a perseguir seu bem estar material e seu desenvolvimento espiritual em condições de liberdade, dignidade, segurança econômica e em igualdade de oportunidades.
Tal declaração se antecipou ao aumento do número de países independentes, verificado após a guerra, prevendo o início de uma cooperação técnica em grande escala com os países em desenvolvimento, levada a cabo paralelamente à normatização das relações do trabalho que a OIT havia começado em 1919.
Em 1946, a OIT se converteu na primeira organização especializada associada à ONU – Organização das Nações Unidas, é a única com estrutura tripartidária – governos, empregadores e trabalhadores – é foro internacional de discussão de temas trabalhistas, além de prestar assistência técnica nos campos sociais oriundos das relações laborais, e promover o desenvolvimento de organizações independentes de empregadores e trabalhadores, facilitando sua formação e contribuindo com assessoramento técnico.
3. DOS TRATADOS INTERNACIONAIS - A ORIGEM HISTÓRICA DE SUA INCONSTITUCIONALIDADE
Nas monarquias absolutistas, os reis celebravam tratados livremente. Eram soberanos. Dispunham sobre os próprios reinos, até que alguns deles cederam, a outros Estados, parte de seus territórios sem consultar as respectivas populações(1). Isto fez com que os parlamentos de várias nações tornassem emprestadas as restrições que a Inglaterra impunha aos seus monarcas: não podiam alienar territórios da Coroa e nem onerar o tesouro através de tratados, sem claro que, no princípio, alguns soberanos reagiram contra este atrevimento popular, embrião das futuras democracias, mas o impasse deu origem aos debates desenvolvidos nestes últimos cinco séculos sobre a nulidade dos tratados que contrariem a ordem jurídica interna dos respectivos países.
Na Constituição de 1988, o constituinte brasileiro dispôs no artigo 49, inciso I, entre as competências exclusivas do Congresso Nacional;
“...resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional.”
Depois de meio milênio de desenvolvimento da cultura jurídica neste campo, não deixa de ser doloroso termos, em nossa carta política, aquela expressão “compromissos gravosos”, extremamente indigente, mas, de qualquer forma, incorporada ao princípio que assegura aos parlamentos a palavra final sobre os acordos internacionais, que o Presidente da República, como Chefe de Estado, pode celebrar (artigo 84, VIII) , sujeito ao referendo do Congresso Nacional.
O Brasil filiou-se, desde o império, ao entendimento majoritário, entre as nações, que sustentam a necessidade dos acordos internacionais serem, sob pena de nulidade, celebrados sob rigorosas exigências de representatibilidade - treaty-making power - , condicionados à aprovação das câmaras legislativas e submetidos à absoluta obediência ao direito constitucional do país contratante.
Benjamin Constant defendeu, no século passado, a proibição de incluir-se, nos tratados celebrados pelos monarcas, cláusulas que interferissem no direito dos brasileiros, o que mereceu de Pimenta Bueno, nos “Comentários à Constituição do Império”, a seguinte observação
“... a faculdade dada ao Poder Executivo não é arbitrária, sim limitada pelos princípios constitucionais do Estado,que ele jamais deve ultrapassar de suas atribuições, que nada pode ratificar que exceda suas faculdades, nada que contrarie as atribuições dos outros poderes ou as leis do Estado, nada que viole as propriedades ou direitos dos súditos nacionais.”(2)
Antônio Paulo Cachapuz de Medeiros, em sua excelente obra, recentemente publicada, quando comenta a concepção constitucionalista como condição de validade para os tratados, observa:
“Várias Constituições procuram impedir o Executivo de celebrar tratados, ou certos tipos de tratados, sem o prévio consentimento do Legislativo; algumas disposições que os tratados, sem o prévio consentimento legislativo, não produzirão efeito no Estado enquanto não forem aprovados ou confirmados pelo Legislativo; outras prescrevem que determinadas matérias não são suscetíveis de alteração, salvo por emendas constitucionais, o que, indiretamente, restringe o poder do Executivo de celebrar tratados.”(3)
Esse mesmo autor lembra as lições de W. Schücking, em sua célebre síntese sobre a submissão dos tratados ao direito constitucional de cada país, destacando:
“Na falta de uma regra de Direito Internacional autorizando o Chefe do Estado a concluir tratados, é preciso partir do princípio geral de Direito segundo o qual o representante de um sujeito de Direito só pode engajar este último enquanto agir nos limites de sua competência e de seus poderes.”(4)
Com essas premissas, prevalentes na doutrina e na jurisprudência, o Brasil não pode, internamente, dar vigência a tratados sobre a matéria que sua Constituição reserva à lei complementar, porque - veremos isto logo mais - os acordos e convenções internacionais, sobretudo os de caráter normativo, incorporam-se ao direito interno como leis ordinárias, bastando a observação das condições rituais consubstanciadas no decreto legislativo, que os aprova, e o decreto executivo, que os promulga e pública.
Tratando-se de matéria expressamente condicionada à edição da mais alta norma infraconstitucional para ter eficácia, somente através de lei complementar poderia a Convenção 158, da OIT, ser incorporada ao direito doméstico brasileiro, porque regula precisamente a proteção ao emprego de que trata o artigo 7º da Carta da República.
A incorporação processada, através da rotineira adoção do decreto legislativo e promulgado pelo decreto executivo, faz surgir, de pronto e gritante, a inconstitucionalidade formal, que pode ser imediatamente declarada nos casos concretos pela competência difusa dos juízes trabalhistas e seus Tribunais, ou em ação direta de inconstitucionalidade, pela competência concentrada do Supremo Tribunal Federal.
Não é necessário muito esforço cultural para saber que a prevalência da Constituição, sobre qualquer outro tipo de norma, é absoluta. No caso deste estudo, já se delineia, por simplicidade lógica irrecusável, a fragilidade de eventuais argumentos sobre a possibilidade de vigência eficaz de uma convenção internacional, assinada pelo Brasil antes da Constituinte de 1988, e aprovada e promulgada depois, através de decretos legislativo e executivo, atos juridicamente inferiores na hierarquia das normas, incapazes de revogar comandos constitucionais. E absolutamente imprestáveis para justificar a aplicação dos preceitos convencionais da OIT em casos submetidos ao Poder Judiciário, se a matéria, entre nós, está condicionada à concreção por lei complementar.
A excessiva criatividade de algumas intérpretes poderá defender - e já houve quem o fizesse - a tese de que o decreto legislativo, que aprovou a Convenção, foi objeto de votação unânime do Congresso Nacional, ou por um número de votos superior à maioria absoluta. Assim, o vício estaria sanado, uma vez que a diferença entre lei complementar e ordinária reduz-se ao quorum de aprovação, aquela, por maioria absoluta, e, esta, por maioria simples. Aprovada a convenção por aquele quorum qualificado, o decreto do executivo equivaleria à sanção.
Ora, em primeiro lugar, o decreto legislativo é ato formal utilizado, ao lado das resoluções, pelo Congresso legislativo é ato formal utilizado, ao lado das resoluções, pelo Congresso Nacional quando exercita suas competências exclusivas, entre as quais a de resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais.
A exclusividade de suas competências não inclui a autônoma elaboração de lei, posto que a disposição sobre matérias reservadas às normas legais exige a sanção do Presidente da República, no autógrafo próprio e, quando se trata de lei complementar, a liturgia normativa impõe, inclusive, numeração destacada das ordinárias, exigências formais severas que não podem ser tidas como cumpridas através de adaptações analógicas.
Impõe-se lembrar que a expressão lei complementar surgiu, na ciência legislativa, para significar complementarão da Constituinte, e precisamente nas questões em que a Carta disponha sobre direitos não auto-aplicáveis, embora, com o evoluir do tempo, esta função integradora tenha sido admitida à norma ordinária, quando o texto constitucional não se refira expressamente à lei complementar.
Em seu excelente estudo sobre esta questão, o grande e saudoso jurista Victor Nunes Leal admitiu serem complementares, no sentido lato, todas as leis que se destinam a complementar princípios enunciados na Constituição, mas advertiu que, em geral, a denominação foi reservada, e é tecnicamente usada, para aquelas leis sem as quais determinados dispositivos constitucionais não podem ser aplicados.(5)
Não estão apenas no quorum qualificado as razões de superioridade da lei complementar sobre a ordinária, mas na importância e relevo da matéria a ela reservada, pela Constituição, como condição de eficiência no mundo jurídico. O quorum “é tão somente um requisito de existência: não um requisito de eficácia da lei complementar... que pressupõe a adequação do ato legislativo com os limites constitucionalmente postos à competência da União para editá-la”.(6)
Seguindo a sempre fascinante teoria de Kelsen, o moderno e conceituado jurista italiano, Norberto Bobbio, lembra que a lei complementar é imposição de regra jurídica sobre o modo exigido para a produção de regras jurídicas, afirmando que “I’ordinammento giuridico regola la propria produzione normativa”.
E observa sobre as leis complementares:
“Esse no regolano un comportamento, ma regolano il modo di regolare un comportamento; o, piú esattamente, il comportamento che esse regolano é quello di produre regole”.(7)
Logo, quando a Constituição exige lei complementar para dar concreção a determinado e especificado assunto, nenhuma outra forma normativa poderá substituí-la, pois a forma de produzir a regra é subordinante para a validade e eficácia, no Estado de Direito, da matéria a ela reservada.
4. DA NECESSIDADE DE LEI COMPLEMENTAR PARA A APLICABILIDADE DE ALGUMAS NORMAS CONSTITUCIONAIS
É antiga a advertência de Rui Barbosa:
“nem todas as disposições constitucionais são auto-aplicáveis. As mais delas, pelo contrário, não o são”.(8)
Para o professor Jorge Miranda, há na Constituição “normas não exeqüíveis por si mesmas”, que têm “a necessidade de complementação por normas legislativas, da “interpositio legislatoris” nesse sentido, integrando-a num quadro mais amplo, para que realize a sua finalidade específica, que identifica a norma constitucional não exeqüível por si mesma.”(9)
E o eminente constitucionalista acrescenta que “as normas programáticas são todas ( ou quase todas, talvez) normas não exeqüíveis por si mesmas “.(10) Tais normas indicam que “ao comando constitucional” se acrescenta “a norma legislativa”.(11)
Canotilho, de seu turno, recorda que, na terminologia alemã, quando se trata do exame da complementação constitucional, há um grupo distinto onde se colocam as “lacunas ao nível das normas (NORMENLÜCKEN), quando um determinado preceito constitucional é incompleto, tornando-se necessária a sua complementação a fim de poder ser aplicado”.(12)
O saudoso professor J. H. Meirelles Teixeira ensina que a plena vigência do dispositivo constitucional, dependente de complementação, somente ocorre com a “sua integração normativa”.(13) Ao referir-se às normas de concreção, esclarece:
“Em sentido amplo, são leis complementares à Constituição todas as leis que a complementem, seja desenvolvendo suas normas, seja concretizando, na legislação e na administração, a orientação programática e ideológica por ela adotada”(14)
As leis complementares expressamente exigidas pela própria Constituição, como necessárias e impostas pelo constituinte, mereceram de meu mestre, o saudoso professor Vicente Ráo, o seguinte magistério:
“participando, embora, da natureza das leis comuns, aos estatutos políticos aderem como se fossem suas partes integrantes, assim devendo ser consideradas para o efeito de sua interpretação e de sua aplicação”.(15)
Elas têm por fim, na frase de Léon Duguit, a “mise en oeuvre” das regras de direito(16), ou segundo as palavras de Rui Barbosa, por meio delas as Constituições “se completam”(17), isto porque muitas normas da Constituição não se revestem dos meios de ação essenciais ao seu exercício, os direitos que outorgam, ou os encargos, que impõe: estabelecem competências, atribuições, poderes, cujo uso tem de agradar que a Legislatura , segundo o seu critério, os habilite a se exercerem”.(18)
Em tais condições, quanto o artigo 7º, I , da Constituição exige a lei complementar, está a impor a regulamentação do preceito para a aquisição de plena eficácia, pois, conforme doutrina Paulo Sarasate, as leis complementares “têm por objetivo regular os preceitos constitucionais cuja aplicação delas depende expressamente”(19), enquanto para o professor José Afonso da Silva as normas complementares “são leis integrativas de normas constitucionais de eficácia limitada”.(20)
Ademais, as leis complementares, por força de sua constitucional
“adquirem superioridade formal relativamente às outras leis, num “status” intermédio entre leis constitucionais e leis ordinárias”.(21)
Pontes de Miranda denomina as leis complementares de “leis intercalares, entre as emendas à Constituição e as leis ordinárias”.(22)
O Excelso SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL já decidiu, pelo seu egrégio Plenário, em hipótese de exigência da lei complementar para instituição de tributo (art. 146, I e III, “a”; e art.155, II, da Constituição), conforme está no v. voto do eminente Ministro Celso de Mello, ter este tipo de norma “o caráter de lei nacional, projetando-se e impondo-se, na esfera jurídico-normativa, pelo ordenamento constitucional, com o caráter de competência impositiva”.[1]
De outra parte, deixou expresso que a lei complementar prevista “constitui manifestação superior da vontade jurídica do próprio Estado Federal”.
E a autoridade dessa lei “vincula, em sua formulação normativa, as pessoas políticas que integram, no plano da Federação brasileira, a comunidade jurídica total ”.[2]
Em tais condições, a edição de lei complementar nacional é necessária e “cumpre função constitucional específica”.[3]
Entendimento reiterado no julgamento do RE 140.887-1/RJ.[4]
Portanto, a matéria objetivada na Convenção 158 da OIT encontra disciplina em norma constitucional que exige, para sua plena eficácia, a edição de lei complementar. A impositividade desta competência afasta todas as normas infraconstitucionais que não tenham o “status” de complementar e, obviamente, o decreto legislativo, o decreto executivo, a própria convenção internacional, por eles aprovada e promulgada, não têm tal “status”.
Consequentemente, impossível se dê eficácia, no direito positivo interno, à referida Convenção da OIT aos casos concretos levados ao judiciário.
A Convenção, por todas as razões alinhadas, encontra-se em vigência, formalmente no direito interno, mas sem eficácia, tendo pleno vigor no direito internacional e, no Brasil, para um único destinatário: o Congresso Nacional que haverá de elaborar a lei complementar exigida no artigo 7º, I , da Constituição, aproveitando do contrato internacional apenas as sugestões programáticas compatíveis com a nova ordem constitucional brasileira.
Poderá o Congresso Nacional examinar as normas programáticas contidas na Convenção para incorporá-las na lei complementar a ser elaborada. E, assim mesmo, somente naquilo que não estiver em desacordo com os princípios proclamados no artigo 7º, I, da Constituição. Por exemplo, não poderá o Congresso Nacional incluir, na lei complementar, dispositivo que vede a dispensa injustificada, com a conseqüente reintegração do empregado ao seu posto de trabalho, como determina o artigo 4º, da Convenção 158.
A uma, porque a Constituição admite a dispensa, mediante indenização compensatória.
A duas, porque a Constituição afastou o instituto da estabilidade no emprego e só admite nas hipóteses taxativamente enumeradas: dirigente sindical, gestante e diretor da CIPA.
A três, porque a Constituição excluiu a possibilidade de reintegração, “já que o artigo 7º , I, manda a lei complementar prever indenização compensatória, e implicitamente veda a estabilidade absoluta como regra geral”, conforme precisa observação do professor Arion Sayão Romita.[5]
A quatro, porque a Constituição prescreve que a proteção contra despedida arbitrária ou sem justa causa deve ser regulamentada pela lei complementar.
Portanto, não se pode deixar de reconhecer que o artigo 4º da Convenção, cujo enunciado representa disposição fundamental do ato internacional, consagra o princípio da continuidade da relação de emprego, vindo a sufragar a tese da proscrição da despedida injustificada.
Consequentemente, está em desarmonia com o texto constitucional brasileiro, posto que adota critério político e jurídico diametralmente oposto ao consagrado na Carta da República, tanto que os termos daquele acordo instituem a reintegração ao emprego como forma de anular a despedida arbitrária ou sem justa causa, admitindo, apenas, a dispensa por motivos econômicos, baseados na necessidade de funcionamento da empresa, estabelecimento ou serviços, tudo sujeito a um complexo processo probatório, que envolve sindicatos, levantamentos de mercado, laudos e outras exigências, práticas muito estranhas aos costumes empresariais brasileiros.
Estas observações levam, fatalmente, a verificar-se que a Convenção 158, da OIT, além da inconstitucionalidade formal, acima e longamente demonstrada, sofre igualmente de insanável inconstitucionalidade material no artigo 4º, porque consagra a reintegração, conferindo ao juiz a competência para declarar a nulidade do término da relação de emprego.
Registre-se, porém, que não ocorre a mesma patologia com o artigo 10, da Convenção, posto que, em linguagem rebuscada e tortuosa, acaba por admitir, para a dispensa injustificada, o “pagamento de uma indenização adequada” quando, entre outros fatores, a legislação e prática nacionais proíbam a reintegração.
Infere-se, daí, que este acordo internacional, tanto pelo artigo primeiro, como pelo artigo 10, admite a superioridade da lei interna de cada país. Quando oferece a alternativa da indenização adequada harmoniza-se com o direito constitucional brasileiro, que exige indenização compensatória. Escoimado das complicações remissivas, o dispositivo poderá ser aplicado no Brasil, se incorporado à futura lei complementar. Não deixa de ser, porém, curiosa esta circunstância: embora harmonizado materialmente com a Constituição do Brasil, aquele artigo 10, da Convenção 158, é igualmente nulo, porque tem força de lei ordinária e, assim, não poderá ter eficácia para regular assunto reservado à legislação complementar.
5. DA DISPENSA DO EMPREGADO E A NORMA CONSTITUCIONAL
A Constituição da República, em seu artigo 7º , inciso I, dispõe:
“São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
I – relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos”.
Temos, pois, no texto constitucional disposição permanente e cogente tratando da despedida arbitrária ou sem justa causa, remetida a respectiva regulamentação à lei complementar que, dentre os demais direitos pertinentes, assegurará a indenização compensatória, já adotada no próprio comando constitucional e, portanto, inalterável e insubstituível por outra forma de reparação nas hipóteses de injustificado término unilateral, por parte do empregador, do contrato de trabalho.
Para não deixar qualquer dúvida sobre a vontade do constituinte , o artigo 10, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, decretou o valor da indenização compensatória, dando-lhe eficácia provisória, mas plena, até que seja alterado pela lei complementar prevista no artigo 7º neste dispositivo transitório está escrito, com clareza,
“Até que seja promulgada a lei complementar a que se refere o artigo 7º, I, da Constituição:
I – fica limitada a proteção nele referida ao aumento, para quatro vezes, da porcentagem prevista no artigo 6º, “caput” e § 10. , da Lei n.º . 5.107, de 13 de setembro de 1966”.
O percentual previsto para a rescisão do contrato de trabalho, por parte da empresa, sem justa causa, na Lei n. 5.107/66, de 10% (dez por cento), foi elevado para 40% (quarenta por cento), por força do dispositivo constitucional transitório, até a promulgação da lei complementar a que se refere o artigo 7º, I, da Constituição Federal, e que poderá alterar a quantia, jamais o critério.
Registre-se que a Lei n.º. 5.107/66 foi revogada pela Lei n.º 8.036, de 11 de maio de 1990, que, no §1º , do artigo 18, manteve a indenização compensatória em 40%, pois, não sendo complementar o novo diploma não poderia alterar nem a quantia, nem o critério, constantes da disposição constitucional transitória, cujo conteúdo deu concreção provisória ao comando permanente do artigo 7º, I, da Carta da República.
O texto constitucional contempla, portanto e solenemente, a questão referente à despedida arbitrária ou sem justa causa, impondo a necessidade de lei complementar que haverá de prever “indenização compensatória, dentre outros direitos”.
Analisando o disposto no artigo 7º, I, da Constituição Federal, surgem claras as conclusões a seguir expostas.
Em primeiro lugar, ”fica certo que o princípio seguido não é o da estabilidade plena. Esta foi afastada”.[6]
Para os professores Octávio Bueno Magano e Estevão Mallet, o preceito em análise resultou de compromisso assumido pelos constituintes no sentido da eliminação da “denúncia vazia”, relativamente ao contrato de trabalho, com a compensação de que
“a sanção para a inobservância da limitação passaria a ser a indenização compensatória e não a reintegração no emprego”.[7]
Daí porque o professor Arion Sayão Romita opina:
a Constituição não deu guarida à estabilidade como regra geral”.
Admitiu-a, apenas, “em caráter de exceção para beneficiar o dirigente sindical (artigo 8º , VIII), o dirigente das comissões internas de prevenção de acidentes e a gestante, até cinco meses após o parto (artigo 10, alíneas “a” e “b”, das Disposições Transitórias)”.[8]
Ademais,
“a alusão do texto à despedida arbitrária traduz movimento do constituinte no sentido da maior flexibilidade de nosso Direito e consequentemente aproximação das regras sobre cessação do contrato, do modelo adotado por vários países da Europa Ocidental, cuja caracterização esquemática corresponde ao postulado de que a rescisão contratual não compreende exclusivamente as dispensas disciplinares, de conteúdo moral (justas causas), mas também as efetivadas, sem arbítrio, porque fundadas em razões sociais relevantes, de caráter econômico ou técnico”.[9]
Portanto,“espanca-se, assim, a possibilidade de que, à luz do nosso texto constitucional, considere-se como justificada tão-somente a despedida fundada em justa causa. Aliás, referindo-se o constituinte, no mesmo preceito, à despedida arbitrária e à despedida sem justa causa, força é concluir que desejou aludir a duas categorias diferentes de fatos, conclusão inafastável ante a consideração de que a lei não pode conter palavras inúteis.”[10]
Diante de tais considerações, está evidente que o nosso texto constitucional, além de afastar o instituto jurídico da estabilidade e, por via de conseqüência, a não reintegração no emprego, abonou a possibilidade de rescisão de contrato de trabalho, não só por justa causa, como também por razões de caráter técnico, ou conveniência empresarial, econômica ou financeira, mediante indenização compensatória, deixando à lei complementar a incumbência de quantificá-la. E enquanto não promulgada a lei complementar prevista, impera o disposto no artigo 10, das Disposições Constitucionais Transitórias.
É absolutamente subordinante este comando constitucional, pois o constituinte, entre outros direitos, mencionou e destacou a “indenização compensatória”, precisamente para que o legislador ordinário não a substituísse pela reintegração. Indenização compensatória e reintegração são distintos critérios jurídicos e políticos, que se excluem reciprocamente. Adotado um, estará excluído o outro.
E os “outros direitos”, referidos genericamente no artigo 7º, inciso I, da Constituição, dizem respeito, por exemplo, a décimo terceiro salário, participação nos lucros, quando regulada, férias proporcionais, etc, igualmente devidos, e por maior razão, na dispensa sem justa causa. Nenhum desses possíveis direitos, a serem criados ou assegurados pelo legislador complementar, poderá eliminar aquele consubstanciado na indenização compensatória, cuja inclusão, na futura lei integradora, é ordenada sob o comando imperativo do verbo “preverá”. Dúvida inexiste, portanto, sobre o critério adotado pelo constituinte de 1988, mesmo porque, entre os demais direitos do trabalhador, reiterou o fundo de garantia do tempo de serviço no inciso III, do próprio artigo 7º, completando, assim, a opção juspolítica que disciplinou a questão, e dando, para o trabalhador, direito autônomo sobre estes depósitos, que perderam, em conseqüência, o caráter indenizatório.
Em segundo lugar, as disposições da Lei n.º. 5.107, de 13 de setembro de 1966, incorporadas ao texto constitucional, por expressa remissão, passaram ater status de lei complementar, posto que somente norma desta hierarquia poderá alterá-la. Embora essa lei tenha sido revogada pela Lei n.º. 8.036, de 11 de maio de 1990, que em seu artigo 18, §1º, manteve a indenização compensatória em 40% do Fundo de Garantia, a verdade é que não poderia, por não ser complementar, a lei revogadora alterar, como não alterou, a quantia fixada através da remissão expressa constante do dispositivo transitório constitucional. Essa remissão, mesmo no caso de revogação por lei ordinária, assegura o fenômeno da ultratividade da lei revogada, na parte albergada pelo texto da Constituição.
A Convenção n.º 158, da OIT, foi assinada no ano de 1982, enquanto o Brasil passou a ter, no ano de 1988, uma nova Constituição, que tratou da mesma matéria, mas de forma diversa.
Quer dizer: aquilo que, no ato internacional fosse, presumivelmente, considerado em harmonia com a ordem jurídica brasileira vigente em 1982, estaria hoje, por superveniência de uma nova ordem constitucional, excluído das obrigações assumidas pelo Brasil, posto que, no direito internacional público, os compromissos são celebrados sob as ressalvas de que as altas partes contratantes adotam as regras e as cláusulas, ou a elas aderem, desde que não contrariem suas ordens jurídicas internas.
Invariavelmente, as nações, quando celebram convenções ou tratados, têm presente esta circunstância, mesmo quando não conste expressamente das ressalvas expressas a tais atos. É comum, portanto, determinado país aderir a um ato internacional, sob reservas quando a inúmeras cláusulas, dando, depois, vigência e eficácia interna apenas a algumas das obrigações contratadas. Isto ocorre principalmente nos chamados tratados-leis, ou tratados normativos, que se destinam a uniformizar legislações internas dos países contratantes, como ocorreu com as leis cambiárias.
A matéria tratada na Convenção - proteção da relação de emprego contra a despedida imotivada - foi contemplada na Constituição de 1988, que editou comando cogente para que seja ela regulada em lei complementar. Logo, ao legislador brasileiro cabe, agora, na elaboração da norma de eficácia, examinar-se a Convenção referida, assinada no ano 1982, está em harmonia, ou não, com o novo texto constitucional, incluindo na legislação interna apenas os preceitos que se harmonizem com o nosso direito constitucional.
Em tais condições, haverá de ser examinada, frente ao texto constitucional da República, a possível harmonia ou desarmonia do Decreto Legislativo n.º 68, de 16 de setembro de 1992, que ratificou a referida Convenção, e do Decreto Executivo n.º 1.855, de 10 de abril de 1966, que determinou a sua execução no Brasil.
Segundo a conhecida lição de Hildebrando Accioly “a convenção internacional em nada difere do tratado internacional quanto à sua estrutura e pode o termo ser empregado como sinônimo de tratado, muito embora muitas vezes tenha forma menos solene do que a dos tratados, visando regular assuntos de interesse comum, sem caráter político”.[11]
Para este estudo, porém, torna-se importantíssimo o enumerado de artigo 1º , da Convenção n.º 158, da OIT:
“Dever-se-á dar efeito às disposições da presente Convenção através da legislação nacional, exceto na medida em que essas disposições sejam aplicadas por meio de contratos coletivos, laudos arbitrais ou sentenças judiciais, ou de qualquer outra forma de acordo com a prática nacional”.
Qual á a prática nacional no Brasil? Está comandada na Constituição, artigo 7º, isto é, lei complementar.
Da leitura do dispositivo fica claro que, para se dar efeito às suas regras, indispensável se torna que todos os seus enunciados sejam objeto de lei nacional. Em obediência ao próprio acordo, o Governo Brasileiro, neste caso, poderia ter elaborado projeto de lei complementar para, cumprindo o que a própria Convenção estabeleceu na cláusula primeira, adequá-la à Constituição, em vez de incorrer desavisadamente nos atos rotineiros de ratificação e promulgação através de decretos, admissíveis apenas quando o tratado normativo pode ingressar no direito doméstico como lei ordinária.
Daí porque o professor Arion Sayão Romita observa que a Convenção n.º 158 “não pode ser considerada do tipo das auto-aplicáveis” e tendo em vista “as modalidades de convenções adotadas pela OIT, a de n.º 158 deve ser incluída entre as de princípios que dependem, segundo a lição de Arnaldo Sussekind, “para sua efetiva aplicação, da adoção de lei ou outros atos regulamentares pelos países que as ratificaram”.[12]
E conclui absoluta propriedade:
“a alusão à legislação nacional” induz à ilação de que se trata de uma convenção do tipo das de princípios”.[13]
Acrescento, a esta lúcida observação que a Convenção foi desrespeitada quando promulgada em desacordo com o que ela dispõe no seu artigo primeiro, pois a lei nacional, por ela exigida como instrumentação em cada país, pressupõe a elaboração normativa respectiva em harmonia com as regras constitucionais pertinentes.
As demais formas, previstas naquele artigo, para viabilizar a aplicação interna de seu conteúdo programático, não necessitam ser examinadas pelos brasileiros, porque, segundo nossa ordem fundamental, somente por lei nacional e complementar poderemos tratar da matéria e, assim, dar efeito às “disposições da presente Convenção”, na exata linguagem por ela própria utilizada.
Fora da legislação nacional, a Convenção autoriza a aplicação de suas disposições aos países que, não submetidos à regra da reserva legal, costumam tratar da matéria: a) através de contratos coletivos; b)por laudos arbitrais; c) por sentenças judiciais; d) por outra forma qualquer, de acordo com a prática nacional.
Todos esses meios de adotar-se, internamente, as disposições convencionais não são viáveis no Brasil.
A uma, porque “laudos arbitrais não existem no Brasil” e a “medida preconizada pelo artigo 114, §1º, da CF não passa de letra morta” e as “controvérsias individuais e coletivas são dirimidas, mesmo, pela Justiça do Trabalho”.
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