O reconhecimento do ”direito a um meio-ambiente sadio” : a preocupação com a proteção ambiental nos instrumentos internacionais de direitos humanos
O reconhecimento do ”direito a um meio-ambiente sadio” :
a preocupação com a proteção ambiental nos
instrumentos internacionais de direitos humanos
Silvia Fazzinga Oporto*
1. Resumo
Este estudo tem como objetivo principal, traçar um paralelo entre proteção dos direitos humanos e proteção ambiental nos instrumentos internacionais dos Direitos Humanos, assinalando para tanto sua íntima relação. Dentro das questões dos direitos humanos, dar-se-á ênfase a um dos direitos fundamentais de 3a geração, qual seja, o “direito ao meio ambiente sadio”. Isto porque, a partir desse direito, que a comunidade internacional reconheceu a necessidade de proteger o meio ambiente em seu sentido lato e estrito, preservando-o para as gerações presentes e futuras.
2.Considerações sobre a evolução dos direitos fundamentais do homem.
Modernamente, a doutrina apresenta-nos a classificação de direitos fundamentais de primeira, segunda e terceira gerações, baseando-se na ordem histórica cronológica em que passaram a ser constitucionalmente reconhecidos.
“Enquanto os direitos de primeira geração (direitos civis e políticos) – que compreendem as liberdades clássicas, negativas ou formais – realçam o princípio da liberdade, os direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais) – que se identificam com as liberdades positivas, reais ou concretas – acentuam o princípio da igualdade, os direitos de terceira geração, que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos, genericamente, a todas as formações sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem um momento importante no processo de desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados, enquanto valores fundamentais indisponíveis, pela nota de uma essencial inexauribilidade” [1].
Assim, os direitos fundamentais de primeira geração são os direitos e garantias individuais e políticos clássicos (liberdades públicas), surgidos institucionalmente a partir da Magna Carta.
Referindo-se aos hoje chamados direitos fundamentais de segunda geração, que são os direitos econômicos, sociais e culturais, surgidos no início do século, Temístocles Brandão Cavalcanti[2] analisou que :
“o começo do nosso século viu a inclusão de uma nova categoria de direitos nas declarações e, ainda mais recentemente, nos princípios garantidores da liberdade das nações e das normas da convivência internacional. Entre os direitos chamados sociais, incluem-se aqueles relacionados com o trabalho, o seguro social, a subsistência, o amparo à doença, à velhice, etc..”
Por fim, modernamente, como foi dito, protege-se, constitucionalmente, como direito de terceira geração os chamados direito de solidariedade ou fraternidade, que englobam o direito a um meio ambiente equilibrado e uma saudável qualidade de vida, ao progresso, à paz, à auto-determinação dos povos e a outros direitos difusos, que são, no dizer de José Marcelo Vigliar[3], “os interesses de grupos menos determinados de pessoas, sendo que entre elas não há vínculo jurídico ou fático muito preciso”.
Contudo, embora reconhecidos esses novos direitos fundamentais (solidariedade ou fraternidade ) não se cristalizou ainda a doutrina a seu respeito. Há mesmo quem os conteste como falsos direitos do Homem. “Tal hesitação é natural”, como explica Manoel Gonçalves Ferreira, isto porque, “foi somente a partir de 1979 que se passou a falar desses novos direitos, cabendo a primazia a Karel Vasak”[4].
Foi no plano do direito internacional que se desenvolveu esta nova geração. Realmente, em sucessivas reuniões da ONU e da UNESCO, bem como em documentos dessas entidades é que foram enunciados nos novos direitos[5]. E ainda hoje, são poucas vezes reconhecidos no direito constitucional, conquanto apareçam em Cartas internacionais como veremos adiante em outros capítulos deste estudo.
De todos os direitos da terceira geração, sem dúvida o mais elaborado é o direito ao meio ambiente[6].
Quanto à titularidade dos referidos direitos de terceira geração, cumpre observar, que todos eles foram concebidos como “direitos de titularidade coletiva”[7] , ou como preferem os que se inspiram nos juristas italianos, “direitos difusos”. Com efeito, “eles se baseiam numa identidade de circunstâncias de fato, e não numa, ainda que tênue, affectio societatis, ou num impulso associativo”, no entender de Rodolfo Camargo Mancuso[8].
Vale ainda destacar, que é extremamente heterogêneo e complexo o objeto desses novos direitos, vez que não se ajustam à estrutura “clássica” dos direitos subjetivos, o que torna difícil caracterizar nítida e seguramente seus elementos, no caso, o seu objeto. Além disso, esses direitos podem facilmente “colidir” entre sí. O direito à autodeterminação conflita, não raro, com o direito à paz. O direito ao desenvolvimento, com o direito ao meio ambiente, ou com o direito ao patrimônio comum. E vice-versa.
Enfim, como conclui Manoel Gonçalves Ferreira Filho[9], “ a primeira geração dos direitos fundamentais seria a dos direitos de liberdade, a segunda, dos direitos de igualdade, e a terceira, assim, complementaria o lema da Revolução Francesa : liberdade, igualdade, fraternidade”.
Os direitos humanos têm um lugar cada vez mais considerável na consciência política e jurídica contemporânea e os juristas só podem se regozigar com seu progresso. Implicam eles com efeito um estado de direito e o respeito das liberdades fundamentais, sobre as quais repousa toda democracia verdadeira, e pressupõem a um tempo um âmbito jurídico pré-estabelecido e mecanismos de garantia que assegurem sua efetiva implementação. Os direitos humanos tendem a tornar-se, por todo o mundo, a base da sociedade.
3.Direito Internacional dos direitos humanos:Conceito, Finalidade e Evolução histórica
A necessidade primordial de proteção e efetividade aos direitos humanos possibilitou, em nível internacional, o surgimento de uma disciplina autônoma ao direito internacional público, denominada Direito Internacional dos Direitos Humanos, cuja finalidade precípua consiste na concretização da plena eficácia dos direitos humanos fundamentais, por meio de normas gerais tuteladoras de bens da vida primordial (dignidade, vida, segurança, liberdade, honra, moral, entre outros) e previsões de instrumentos políticos e jurídicos de implementação dos mesmos.
Como ressaltado por Flávia Piovesan[10], “ o Direito Internacional dos Direitos Humanos visa a garantir o exercício dos direitos da pessoa humana”
A evolução histórica da proteção dos direitos humanos fundamentais em diplomas internacionais é relativamente recente, iniciando-se com importantes Declarações sem caráter vinculativo, para posteriormente assumirem a forma de tratados internacionais, no intuito de obrigarem os países signatários ao cumprimento de suas normas.
A Declaração Universal dos Direitos do Homem, assinada em Paris, em 10 de dezembro de 1948, constitui a mais importante conquista dos direitos humanos fundamentais em nível internacional, pois como ensina Francisco Rezek[11], “até a fundação das Nações Unidas, em 1945, não era seguro afirmar que houvesse, em direito internacional público, preocupação consciente e organizada sobre o tema dos direitos humanos” .
Elaborada a partir da previsão da Carta da ONU de 1944, que em seu artigo 55 estabeleceu a necessidade dos Estados-partes promoverem a proteção dos direitos humanos, e da composição, por parte da Organização das Nações Unidas, de uma Comissão dos Direitos Humanos, presidida por Eleonora Roosevelt, a Declaração Universal dos Direitos do Homem, afirmou que :
“o reconhecimento da dignidade humana inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis, é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo, bem como que o desprezo e o desrespeito pelos direitos da pessoa, resultam em atos bárbaros que ultrajaram a consciência da Humanidade e que o advento de um mundo em que as pessoas gozem de liberdade de palavra, de crença e de liberdade de viverem a salvo do temor e da necessidade, tem sido a mais alta aspiração do homem comum”.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos adotada e proclamada pela Resolução n. 217 A (III) da Assembléia Geral das Nações Unidas, em 10-12-1948, reafirmou a crença dos povos das Nações Unidas, nos direitos humanos fundamentais, na dignidade e no valor da pessoa humana e na igualdade de direitos do homem e da mulher, visando à promoção do progresso social e à melhoria das condições de vida em uma ampla liberdade.
Além dos 30 artigos básicos que a consagram, prevê-se, ainda, que toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a sí e a sua família saúde e bem estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, o direito à segurança, em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice e outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle (artigo XXV).A referida Declaração prevê somente normas de direito material, não estabelecendo nenhum órgão jurisdicional internacional com a finalidade de garantir a eficácia dos princípios e direitos nela previstos. O Brasil assinou a Declaração Universal dos Direitos Humanos, na própria data de sua adoção e proclamação, qual seja, 10-12-1948.
Ressalte-se, que anteriormente à Declaração Universal dos Direitos do Homem, nesse mesmo ano, em abril de 1948, a IX Conferência Internacional Americana, realizada em Bogotá, havia aprovado a resolução XXX, consagrando a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, que com seus 38 artigos trazia previsões muito semelhantes àquelas já citada anteriormente.A partir disso, a proteção internacional dos Direitos Humanos passou a intensificar-se, com a aprovação de inúmeras declarações e tratados internacionais.
4. A Estreita relação entre a proteção ao “meio ambiente” e aos “Direitos Humanos”, e a expansão dos respectivos instrumentos internacionais
As evoluções paralelas da proteção de ambos os institutos, revelam algumas afinidades que não deveriam passar despercebidas. Ambas testemunham, e precipitam, a erosão gradual do assim chamado domínio reservado dos Estados.O tratamento pelo Estado de seus próprios nacionais, torna-se uma questão de interesse internacional. A conservação do meio ambiente torna-se, igualmente, uma questão de interesse internacional.
Ocorre um processo de internacionalização, tanto da proteção dos direitos humanos quanto da proteção ambiental; a primeira, a partir da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, a segunda – anos após -, a partir da Declaração de Estocolmo sobre o Meio Ambiente Humano, de 1972.
No tocante à proteção dos direitos humanos, dezoito anos após a adoção da Declaração Universal de 1948, completou-se a Carta Internacional dos Direitos Humanos, com a adoção dos dois Pactos das Nações Unidas, de Direitos Civis e Políticos, e de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (de 1966), respectivamente. O corpus normativo do direito internacional dos direitos humanos é hoje bastante vasto, compreendendo uma multiplicidade de tratados e instrumentos, a níveis global e regional, com âmbitos variáveis de aplicação e cobrindo a proteção de direitos humanos de diversos tipos e em domínios distintos da atividade humana.Em relação à proteção ambiental, os anos seguintes à Declaração de Estocolmo houve da mesma forma, uma multiplicidade de instrumentos internacionais sobre a matéria, igualmente a níveis tanto global quanto regional. Estima-se que em nossos dias, haja mais de 300 tratados multilaterais e cerca de 900 tratados bilaterais, dispondo sobre a proteção e conservação da biosfera, ao que se podem acrescentar mais de 200 textos de organizações internacionais.Esta expansão considerável da regulamentação internacional no presente domínio tem seguido, de modo geral, em enfoque “setorial”, conducente à celebração de convenções voltadas a determinados setores ou áreas, ou situações concretas (e.g., oceanos, águas continentais, atmosfera, vida selvagem). Em suma, a regulamentação internacional no domínio da proteção ambiental tem se dado na forma de respostas a desafios específicos.
O mesmo parece ter ocorrido no campo da proteção dos direitos humanos, em que testemunhamos uma multiplicidade de instrumentos internacionais : paralelamente aos tratados gerais de direitos humanos (tais como os dois Pactos de Direitos Humanos das Nações Unidas e as três Convenções regionais – a Européia, a Americana e a Africana), há convenções voltadas a situações concretas (e.g., prevenção de discriminação, prevenção e punição da tortura e dos maus tratos), a condições humanas específicas (e.g. estatuto do refugiado, nacionalidade e apatrídia), e a determinados grupos em necessidade especial de proteção (e.g., direitos dos trabalhadores, proteção da criança, dos deficientes, etc..).
Em suma, os instrumentos de direitos humanos têm se desenvolvido, nos planos normativo e processual, do mesmo modo como respostas a violações de direitos humanos de vários tipos. Assim sendo, em nada surpreende que certas lacunas venham a surgir, à medida em que se conscientiza das necessidades crescentes de proteção.
5. O Direito do Meio Ambiente
Conforme nos ensina Bobbio, o aparecimento do direito ao meio ambiente e os demais direitos de terceira geração se deu como “uma passagem da consideração do indivíduo humano uti singulus, que foi o primeiro sujeito ao qual se atribuíram direitos naturais (ou morais) – em outras palavras, da ‘pessoa’ -, para sujeitos diferentes do indivíduo, como a família, as minorias étnicas e religiosas, toda a humanidade em seu conjunto (como no atual debate, entre filósofos da moral, sobre o direito dos pósteros à sobrevivência); e, além dos indivíduos humanos considerados singularmente ou nas diversas comunidades reais ou ideais que os representam, até mesmo para sujeitos diferentes dos homens, como os animais” [12].
A multiplicação dos direitos ocorreu por um aumento na quantidade de bens a serem protegidos pelo direito, assim como na quantidade de sujeitos e de diversos status do indivíduo.
Ressalte-se, que “ o direito ao meio ambiente traz dificuldades para a teoria jurídica porque não é um direito individual, como os tradicionais, nem um direito social, correspondente à segunda geração do direito. Essa evolução para a terceira geração dos direitos traz problemas para a estrutura da teoria jurídica. É um direito difuso, difícil de limitar” [13]. Isto porque, contrariamente aos direitos liberais, que são uma garantia do indivíduo diante do poder do Estado, e ao contrário também dos direitos sociais, que consistem basicamente em prestações que o Estado deve ao indivíduo, o “direito difuso ao meio ambiente consiste num direito-dever, na medida em que a pessoa, ao mesmo tempo em que é titular do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, também tem a obrigação de defendê-lo e preservá-lo” [14].
À tal respeito, importante frizar neste estudo o que nos ensina Ferrajoli, ao dizer que :
“a diferencia de los derechos de libertad, que son ‘derechos de’ (o ‘facultades’ de comportamento propios) a los que corresponden ‘prohibiciones’ (o deberes públicos de no hacer), estos derechos, que podemos llamar ‘sociales’ o también ‘materiales’, son derechos a (o ‘expectativas’ de comportamientos ajenos) a los que deberían corresponder ‘obligaciones’ (o deberes públicos de hacer [ pois postas por normas de direito público]” [15].
Disso, depreende-se que o direito ao meio ambiente é um direito erga omnes em duas direções : de um lado, porque todos tem direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado; não existe um status que atribua a titularidade deste direito. Por outro lado, porque as obrigações que se referem àquela expectativa são de todos; e aqui falamos ‘todos’ no sentido de que não é apenas ao Estado que cabe velar pelo meio ambiente, mas todas as pessoas física e jurídicas, públicas e privadas, têm o dever de preservar um meio ambiente adequado para a sadia qualidade de vida das gerações presentes e futuras.
Por tratar-se de um direito-dever erga omnes, existe uma situação de solidariedade jurídica e de solidariedade ética em que os sujeitos encontram-se em pólos difusos. Definitivamente, o direito ao meio ambiente está fundado na solidariedade, pois só serão efetivos com a colaboração de todos.
Vicente Capella, ao escrever sobre a solidariedade como base para o direito ao meio ambiente, refere-se à Peces Barba, para quem os direitos de terceira geração, na medida em que se fundam sobre a solidariedade, não podem ser chamados de direitos propriamente ditos, ao passo que a solidariedade fundamentaria deveres que, indiretamente, dariam lugar a direitos[16].
Porquanto este direito-dever, da categoria direito difuso, difere ainda dos direitos de gerações anteriores na medida em que não nascem de uma relação contratual nem de um status como o de ser cidadão de determinado Estado. Nasceu da valorização da pessoa humana no final do século XX, através da evolução dos direitos diante da ampliação da proteção de âmbitos de vivência da pessoa humana, anteriormente não protegidos ou não privilegiados pelo direito. São direitos agora tidos como universais, fundamentais, que, no dizer de Ferrajoli, tratam-se de direito invioláveis ou inderrogáveis, indisponíveis e inalienáveis.
Como nos ensina Varella, “ a demanda que se faz neste momento não é que se proteja a propriedade do outro, ou sua liberdade, ou seu direito de assistência frente ao Estado, mas o respeito ao outro, à pessoa e à vida em geral, que não se circunscreve ao espaço delimitado pelos direitos civis, políticos ou sociais, mas abrange todo o seu relacionamento com o meio ambiente e com o futuro, uma vez que o outro não é mais apenas aquele que se conhece agora, mas também aquele que está por vir, ou seja, são também as futuras gerações” [17]
Dessa maneira, entendemos que faz-se necessária uma mudança no conceito dos principais institutos jurídicos, como propriedade, vida, e uma reordenação de todo o sistema jurídico, pois mais uma vez o direito prioriza outros bens como objeto de proteção, tal como o meio-ambiente, considerado um macro-direito, mas que até pouco tempo era tido como res nullius, coisa de ninguém, tal como : a água, as florestas, os animais silvestres; tais bens eram disponíveis para quem quisesse explorá-los, sem limites.
Notamos, por exemplo, que o direito de propriedade que é um rígido instituto do direito civil, vem sofrendo limitações frente às necessidades de proteção ambiental – pelo menos na teoria – onde seu conteúdo vem sendo alterado. Portanto, o ordenamento jurídico, com a proteção do meio ambiente, recebe novos princípios informadores e precisa se adaptar aos direitos de terceira geração para protegê-los eficazmente.
Além disso, a teoria jurídica vem ampliando o conceito de “meio-ambiente”, não o considerando apenas como natureza stricto sensu, mas como sendo relações de dimensões sociais, econômicas, urbanas e naturais nas quais vivem a pessoa e os demais seres. Natureza e sociedade não são planos distintos. Mister se faz, falar não apenas em meio ambiente natural, mas também em meio ambiente urbano, meio ambiente do trabalho, por exemplo, lembrando que são todos partes de um meio ambiente maior.
6. O “ Meio ambiente “ na ótica dos direitos humanos
A proteção dos direitos humanos e a proteção do meio-ambiente, juntamente com os temas do desenvolvimento humano e do desarmamento, constituem as grandes prioridades da agenda internacional contemporânea. Requerem do direito internacional público, em processo de contínua expansão, soluções aos problemas globais que apresentam, além de um enriquecimento conceitual para fazer face às realidades dos novos tempos.
Impõe-se seja dado em particular, à questão da relação entre a proteção dos direitos humanos e a proteção ambiental, um tratamento sistematizado, dada a sua transcendental importância em nossos dias. Embora tenham os domínios da proteção do ser humano e da proteção ambiental, sido tratados até o presente separadamente, é necessário buscar maior aproximação entre eles, porquanto correspondem aos principais desafios de nosso tempo, a afetarem em última análise, os rumos e destinos do gênero humano.
Que a proteção do meio ambiente e a proteção da pessoa humana se constituem em prioridades inequívocas da agenda internacional hodierna, é atestado pela grande mobilização internacional corrente em torno de ambas, culminando na recente realização da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio de Janeiro, junho de 1991) e na convocação, em princípio para 1993, em Viena, da Conferência Mundial das Nações Unidas sobre Direitos Humanos.
Com efeito, nenhum cidadão pode estar hoje alheio à temática dos direitos humanos e do meio ambiente, mormente os que vivem em países em desenvolvimento, como o Brasil, detentores dos mais altos índices de disparidades sociais do mundo. É certo, porém, que testemunhamos hoje uma alentadora tomada de consciência mundial quanto à premente necessidade de proteção do ser humano e do meio ambiente.
Contudo, conforme entendimento do internacionalista Antonio Augusto Cançado Trindade[18],
“ no plano de elaboração conceitual, persiste até o presente a inexistência de um estudo aprofundado a enfocar especificamente a relação entre os dois regimes de proteção, dos direitos humanos e do meio-ambiente, a despeito da vasta bibliografia especializada em um e outro, separadamente.”
Os avanços nos dois domínios de proteção vêm de certo modo, fortalecer a proteção do ser humano e da humanidade contra seus próprios impulsos destrutivos, manifestados na violência em suas múltiplas formas. Cabe promover, portanto, a justa harmonia nas relações dos seres humanos entre sí, a plena integração destes com a natureza.
Ainda, segundo o referido internacionalista, têm-se insistido junto ao Grupo de Consultores Jurídicos do Programa das Nações Unidas para o Meio-Ambiente (PNUMA) – no plano global - , na necessidade de estabelecer as relações – ou inter-relações – entre a proteção dos direitos humanos e a proteção ambiental.
Na mesma linha de pensamento, assinalou-se na II Reunião do Grupo de Consultores Jurídicos do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) – Genebra, março de 1991 -, a importância do reconhecimento do “direito a um meio ambiente sadio e do direito ao desenvolvimento” como um direito humano para a consideração de problemas de condições de vida, como a erradicação da pobreza, as pressões demográficas, a saúde, a educação, a nutrição, a moradia e a urbanização.
Posteriormente, houve um Seminário Internacional, copatrocinado pelo PNUMA, sobre “Os Países em Desenvolvimento e o Direito Ambiental Internacional”, realizado em Pequim, na China, em agosto de 1991.
“Há uma década, o Programa de Montevidéu de Desenvolvimento e Exame Periódico do Direito Ambiental, que, a partir de sua adoção em 1981, tem constituído a base das atividades do PNUMA na esfera do direito ambiental, não fez referência expressa alguma à proteção dos direitos humanos ou à relação deste com a proteção ambiental”. [19] No entanto, alguns dos temas ou setores incluídos no Programa de Montevidéu, de 1981, têm relação com aspectos da vigência de alguns direitos humanos (e.g., direito à saúde).
As sugestões e recomendações do referido Grupo de Consultores, foram recolhidas e incorporadas na Nota do Diretor Executivo da PNUMA[20] . No entanto, alguns dos temas ou setores incluídos no Programa de Montevidéu, de 1981, têm relação com aspectos da vigência de alguns direitos humanos (e.g., direito à saúde).
No seio do Grupo de Consultores Jurídicos do PNUMA (reuniões preparatórias de Genebra e de Nairobi, supra), o já referido e renomado internacionalista brasileiro, Antônio Augusto Cançado Trindade[21], sustentou a necessidade de que “a revisão e atualização do Programa de Montevidéu incluíssem um reconhecimento expresso, da relação entre proteção ambiental e a proteção dos direitos humanos e contemplassem novas áreas ou temas que refletissem a realidade desta relação”.
Assim, como resultado do consenso que se logrou formar entre os membros do Grupo de Consultores Jurídicos do PNUMA, sobre esse ponto, considerou-se como um dos novos temas a serem abordados no decorrer do próximo decênio : “a relevância e a contribuição da proteção dos direitos humanos para a proteção do meio ambiente, com atenção especial à formulação e implementação do direito a um meio ambiente sadio” , incorporou, ademais, ao novo tema dos “problemas ambientais da urbanização, incluído o crescimento demográfico”.
Com relação a este último tema, o documento do PNUMA se referiu aos problemas de urbanização descontrolada, com a situação ou condição prevalecente de pobreza generalizada ao redor das grandes cidades dos países em desenvolvimento : “isto produz não só efeitos nocivos na saúde humana, mas também problemas ambientais”, tornando-se um tema prioritário para numerosos países.
Tais problemas ambientais dos países em desenvolvimento, derivam das “condições de pobreza”, e requerem assim, a melhoria das “condições sócio-econômicas de vida”, a busca de “sociedades mais igualitárias”.
Aí, pois, se sustentou o direito à vida em sua ampla dimensão, abarcando as condições dignas e adequadas de vida, e se levaram em consideração os efeitos de tais problemas sobre o meio-ambiente e sobre a saúde humana, simultaneamente.
A Nota do Diretor Executivo do PNUMA[22], dedicou também atenção à “consciência e educação ambientais” , dizendo : “ é necessário educar o público sobre questões ambientais, para que seja consciente da gravidade dos problemas ambientais, com vistas a lograr sua participação efetiva e a aceitação de responsabilidade individual relativa ao meio-ambiente”; ademais, “ também é necessário facilitar a participação do público nas etapas apropriadas do processo decisório, tanto no tocante ao processo legislativo e administrativo, quanto no que diz respeito à implementação”.
E, mais adiante, agregou a referida “Nota”, o seguinte : “que no processo de criação de uma consciência pública sobre questões ambientais, deve-se estudar também, a possibilidade de reconhecer às organizações não-governamentais e aos particulares “capacidade para impetrar causas e ações ambientais ante os tribunais nacionais”. Em outras palavras, reconheceram-se o direito à informação (ambiental), o direito de participação (inclusive no processo decisório), e o direito a recursos legais disponíveis e eficazes, - corolários do direito a um meio ambiente sadio (direito à conservação do meio-ambiente).
O documento do PNUMA, também se referiu à necessidade de tomar providências para maior desenvolvimento de conceitos e princípios emergente do direito ambiental, como, inter alia, os de interesse comum da humanidade, equidade intergeneracional, direito ao desenvolvimento sustentável. Enfim, o referido documento voltou sua atenção ao direito internacional humanitário, ao assinalar que “ter-se-ia que estudar se é necessário examinar as normas internacionais existentes, que regulam a proteção do meio-ambiente em tempo de conflito armado".
Todos os pontos acima, e alguns outros, foram devidamente considerados e amplamente debatidos na referida Reunião de Peritos Governamentais em Direito Ambiental para o Exame do Programa de Montevidéu (Rio de Janeiro, 30/10 a 02/11/1991), como narrado no Relatório da Reunião, preparado pelo PNUMA[23] .
As “Conclusões e Recomendações do Rio de Janeiro”, adotadas pelo plenário, em 02 de novembro de 1991, insistiram em que “o direito ambiental é um instrumento essencial para a melhoria da qualidade de vida”.
Assim, a relação entre a proteção ambiental e a proteção dos direitos humanos, esteve presente no decorrer de todo o processo de revisão e atualização do Programa de Montevidéu de Desenvolvimento e Exame periódico do Direito Ambiental do PNUMA.
O Programa revisto e adotado ressalta, entre outras coisas, a necessidade de que se busque o “maior desenvolvimento dos direitos e responsabilidades ambientais”, inclusive o “acesso igual e não discriminatório” a recursos internos judiciais e administrativos, em caso de dano ambiental; refere-se, no contexto da cooperação internacional em emergências ambientais, às regras do direito internacional humanitário; e não descuida dos problemas ambientais dos assentamentos humanos, e tampouco da proteção da saúde humana.
Ainda no plano global, a Declaração do Rio de Janeiro e a Agenda 21, adotadas pela Conferência das Nações Unidas sobre meio Ambiente e desenvolvimento (junho de 1992), contêm, ambas elementos próprios ao direito internacional dos direitos humanos e hoje comuns aos dois domínios de proteção (do ser humano e do meio ambiente).
A Declaração do Rio, permeada desses elementos, é particularmente atenta à condição e proteção dos seres humanos e à vindicação de seus direitos, e a Agenda 21 volta-se com igual atenção, ao atendimento das necessidades humanas básicas e à participação social nos esforços globais em prol do desenvolvimento sustentável.
7.O “Direito ao meio ambiente sadio” como salvaguarda da própria vida humana
Pode-se tomar o termo “meio-ambiente”, como abarcando desde o milieu físico imediato circundando o indivíduo interessado, até a biosfera como um todo, e pode assim ser necessário acrescentar qualificações ao termo. Na implementação de qualquer direito dificilmente se poderia fazer abstração do contexto em que ele é invocado e se aplica
O direito à vida é hoje universalmente reconhecido, como um direito humano básico ou fundamental. É básico ou fundamental porque “o gozo do direito à vida é uma condição necessária ao gozo de todos os demais direitos humanos”. O direito humano à vida compreende um “princípio substantivo” em virtude do qual, todo ser humano tem um direito inalienável a que sua vida seja respeitada, e um “princípio processual” segundo o qual, nenhum ser humano haverá de ser privado arbitrariamente de sua vida.
O Comitê de Direitos Humanos, operando sob o Pacto de Direitos Civis e Políticos das Nações Unidas, ao qualificar o direito humano à vida como o “direito supremo do ser humano”, advertiu que aquele direito humano fundamental “não pode ser entendido de modo restritivo” e sua proteção “exige que os Estados adotem medidas positivas”.
Sob os instrumentos internacionais de direitos humanos, a asserção do direito inerente à vida de todo ser humano, faz-se acompanhar de uma asserção da proteção legal deste direito humano fundamental e da obrigação negativa de a ninguém privar arbitrariamente sua vida. Mas esta obrigação negativa faz-se acompanhar da obrigação positiva, de tomar todas as providências apropriadas para proteger e preservar a vida humana.
A atual doutrina internacional dos direitos humanos, efetivamente se inclina no sentido de aproximar o direito à vida em sua ampla dimensão do “direito de viver”.
Ressalte-se, que a disposição do Pacto de Direitos Civis e Políticos das Nações Unidas sobre o direito fundamental e inerente à vida (artigo 6 (1)), é o único dispositivo do Pacto em que se faz referência expressa à “inerência” de um direito.
O direito a um meio ambiente sadio e o direito à paz, configuram-se como extensões ou corolários do direito à vida. O caráter fundamental do direito à vida, torna inadequados enfoques restritos do mesmo em nossos dias; sob o direito à vida, em seu sentido próprio e moderno, não só se mantém a proteção contra qualquer privação arbitrária da vida, mas além disso, encontram-se os Estados no dever de “buscar diretrizes destinadas a assegurar o acesso aos meios de sobrevivência a todos os indivíduos e todos os povos”.
Neste propósito, têm os Estados, a obrigação de evitar riscos ambientais sérios à vida, e de por em funcionamento sistemas de monitoramento e alerta imediato, para detectar tais riscos ambientais sérios e também, sistemas de ação urgente, para lidar com tais ameaças.
Na mesma linha, na I Conferência Européia sobre o Meio Ambiente e os Direitos Humanos (Estrasburgo, 1979), ressaltou-se que a humanidade necessitava proteger-se de suas próprias ameaças ao meio ambiente, em particular, quando tais ameaças tinham repercussões negativas sobre as condições de existência – a própria vida, a saúde física e mental, o bem estar das gerações presentes e futuras.
De certo modo, era o próprio “direito à vida” em sua ampla dimensão, que acarretava o necessário reconhecimento do direito a um meio ambiente sadio. Este último, configura-se como “o direito às condições de vida que asseguram a saúde física, moral, mental e social, a própria vida, assim como o bem estar das gerações presentes e vindouras.
Em outras palavras, o direito a um meio ambiente sadio, salvaguarda a própria vida humana sob dois aspectos, a saber, a existência física e saúde dos seres humanos, e a dignidade desta existência, a qualidade de vida que faz com que valha a pena viver.
O direito a um meio ambiente sadio, desse modo, compreende e amplia o direito à saúde e o direito a um padrão de vida adequado ou suficiente, e tem ademais uma ampla dimensão temporal : como, em matéria de meio ambiente, certos atentados ao meio ambiente produzem efeitos sobre a vida e saúde do ser humano, somente a longo prazo o reconhecimento de um direito ao meio ambiente deveria então admitir uma noção ampla dos atentados.
Assim, a dimensão ampla do direito à vida e o direito a um meio ambiente sadio, acarretam a consequente caracterização mais ampla de atentados ou ameaças a estes direitos, o que em contrapartida requer um maior grau de sua proteção. Um exemplo de tais ameaças, é fornecido pelos efeitos do aquecimento global sobre a saúde humana : câncer de pele, lesão na retina ocular, cegueira, alteração do sistema imunológico, etc...
Em suma, a destruição da camada de ozônio pode resultar em danos substanciais à saúde humana, assim como ao meio-ambiente (danos a plantas terrestres, destruição de plâncton, etc...), revelando assim a necessária convergência da proteção da saúde humana e da proteção ambiental.
No âmbito do direito ambiental internacional, a Declaração de Haia sobre a Atmosfera de 1989, por exemplo, afirma que “o direito de viver é o direito do qual emanam todos os demais direitos” e, acrescenta que “o direito de viver com dignidade em um meio ambiente global viável” acarreta o dever da “comunidade das nações”, vis-à-vis as “gerações presentes e futuras” de fazer “tudo o que puder ser feito para preservar a qualidade da atmosfera”.
O uso da expressão direito de viver (ao invés de direito à vida), parece estar bem em conformidade com o entendimento de que o direito à vida acarreta obrigações negativas assim como positivas, quanto à preservação da vida humana.
8. A Globalização da proteção dos direitos humanos e da proteção ambiental.
Mais além da internacionalização da proteção dos direitos humanos e da proteção ambiental, logo se percebeu que, em cada um dos dois domínios de proteção - direitos humanos e direito ambiental - , existia uma inter-relação entre os distintos setores objeto de regulamentação. A consciência dessa inter-relação vem contribuindo decisivamente à evolução, nos últimos anos, da internacionalização à globalização da proteção dos direitos humanos, assim como da proteção ambiental.
No domínio da proteção ambiental, a presença – apesar da regulamentação de “setor por setor” – de questões e regras “transversais”, contribuíram ao enfoque globalista.
Reconhecem-se, e.g., que cada vez mais frequentemente, certas atividades e produtos podem causar efeitos danosos em qualquer ambiente. (ex.: substâncias tóxicas ou perigosas, resíduos tóxicos ou perigosos, radiações ionizadoras e resíduos radioativos). Com efeito, o problema das substâncias perigosas encontra-se presente na totalidade da regulamentação “setorial”, apontando desse modo à globalização e gerando uma “regulamentação se sobrepondo aos diferentes setores”.
Já em 1974, dois anos após a adoção da Declaração de Estocolmo, a Carta dos Direitos e Deveres Econômicos dos Estados das Nações Unidas, advertia que a proteção e a preservação do meio ambiente para as gerações presentes e futuras, constituíam a responsabilidade de todos os Estados (artigo 3o).
E, em 1980, a Assembléia Geral das Nações Unidas proclamou a responsabilidade histórica dos Estados pela preservação da natureza em benefício das gerações presentes e futuras.
Enquanto no passado tendiam os Estados a considerar a regulamentação da poluição por setores, como uma questão nacional ou local, mais recentemente se aperceberam que alguns problemas e preocupações ambientais são de âmbito essencialmente global.
Em sua resolução 44/228, de 22 de dezembro de 1989, pela qual decidiu convocar uma Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, em 1992, a Assembléia Geral das Nações Unidas reconheceu que o caráter global dos problemas ambientais requeria ação em todos os níveis (global, regional e nacional), envolvendo o compromisso e a participação de todos os países; a resolução afirmou ademais, que a proteção e o fortalecimento do meio-ambiente eram questões de importância capital que afetavam o bem-estar dos povos, e singularizou, como uma das questões ambientais de maior interesse, a “proteção das condições da saúde humana e a melhoria da qualidade de vida”
O caráter global das questões ambientais reflete-se no tema, e.g., da conservação da diversidade biológica; ilustram-no, ademais, em particular, os problemas ligados à poluição atmosférica (tais como, a destruição da camada de ozônio e o aquecimento global). Estes problemas, tidos de início como sendo essencialmente locais ou mesmo transfronteiriços, desvendariam “une portée pratiquement illimitée dans l’espace” . A ameaça de dano a muitas nações, resultante das alterações climática, por exemplo, é um problema grave cuja causa dificilmente poderia ser traçada ou atribuída a um único Estado ou grupo de Estados, requerendo assim, um novo enfoque com base em estratégias de prevenção e adaptação e considerável cooperação internacional.Desse modo, a Assembléia Geral das Nações Unidas, por meio da resolução 43/53, de 6 de dezembro de 1988, reconheceu que as alterações climáticas constituem um interesse comum da humanidade, e determinou que se deveria prontamente tomar iniciativa para lidar com elas em um âmbito global.
Da mesma forma, o Painel Inter-governamental sobre Mudança de Clima (IPCC), estabelecido pela Organização Metereológica Mundial (OMM) e pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), indicou, como um dos possíveis elementos para inclusão em uma futura Convenção-quadro sobre mudança de clima, o reconhecimento de que a mudança de clima constitui um interesse comum da humanidade, afetando esta como um todo, e a ser abordada em um âmbito global.
A Declaração de Haia sobre a Atmosfera, de 1989, insiste na busca de soluções urgentes e globais aos problemas do aquecimento da atmosfera e da deterioração da camada de ozônio. Na mesma linha, uma Reunião Internacional de Peritos realizada em Ottawa, em 1989, afirmou em seu relatório, inter alia[24], que “a atmosfera constitui um recurso comum de interesse vital para a humanidade” [25] .E, ainda em 1989, a Conferência Ministerial sobre a Poluição Atmosférica e Mudança de Clima, realizada em Noordwijk, Holanda, com a participação de 67 países, considerou os elementos de uma futura Convenção-quadro sobre mudança de clima (a ser mais detidamente elaborada pelo IPCC) e reafirmou o princípio da responsabilidade compartilhada de todos os Estados. A Declaração de Noordwijk sobre Mudança de Clima de 1989, seguiu um enfoque globalista e afirmou expressamente, que “climate change is a common concern of mankind” . Em suma, desenvolvimentos recentes na proteção ambiental, assim como na proteção dos direitos humanos, revelam uma tendência clara e progressiva da internacionalização rumo à globalização.
Há que continuar a fazer ver aos Estados que é do interesse e para o benefício de suas populações que ratifiquem em número cada vez maior os tratados de proteção, e aceitem inclusive os instrumentos e cláusulas facultativas, de modo a alcançar a universalidade de sua vigência.
O processo de internacionalização e de globalização alcançado na proteção dos direitos humanos, ainda se encontra em seus primeiros passos para a maior parte da humanidade e que a aplicação efetiva dos direitos humanos e a instauração de um “meio ambiente sadio” constituem um dos mais fantásticos desafios do século XXI, a fim de tornar, como já se pôde dizer, “la Maison-Terre vivable”, a um tempo “habitável e cohabitável”.
Existe,com efeito,a correlação vidente entre a proteção dos direitos humanos e a proteção ambiental considerada como um “common concern of makind” com vistas a implementar plenamente um autêntico direito ao desenvolvimento e a realizar um “desenvolvimento sustentável”.E, ainda, não resta dúvida de que os direitos humanos, o direito a um meio ambiente sadio e equilibrado e o direito ao desenvolvimento constituem, três peças da mesma trilogia.
Por fim, complementando, em uma dimensão mais ampla e elevada, o que se almeja, é em última análise, a criação de uma cultura de observância dos direitos humanos assim como, de conservação do meio ambiente. Cada ser humano, como portador e criador de cultura, há de contribuir para transformar a realidade neste propósito. E esta cultura, a abrigar valores comuns superiores, compõe, a seu turno, o substratum do direito comum da humanidade que desponta neste limiar do novo século.
9. conclusão
Ao final deste estudo, resta traçar o panorama geral do estado atual de evolução da matéria em questão, em suas idéias centrais.
1.O enfoque globalizante dos direitos humanos e as questões ambientais globais, têm contribuído para acelerar as grandes transformações e o processo de humanização por que vem passando o Direito Internacional contemporâneo. Hodiernamente, os dois domínios de proteção passam por um processo de globalização, ainda que em ritmos não necessariamente idênticos.
2.O direito de participação, nos planos nacional e internacional, realça a premência da preservação e do fortalecimento da democracia e do Estado de Direito, à luz da inter-relação ou indivisibilidade de todos os direitos humanos e com atenção especial aos segmentos mais vulneráveis da população.
3.Subjacente às perspectivas de evolução da matéria encontra-se um último recurso por condições de vida digna e pela própria sobrevivência do gênero humano no terceiro Milênio. Na busca de soluções globais aos problemas globais, constatam-se a expansão, o fortalecimento e a convergência dos sistemas de proteção internacional, em benefício último dos entes protegidos.
4.Os grandes desafios de nossos tempos – a proteção do ser humano e do meio ambiente, o desarmamento, o desenvolvimento humano e a superação das desigualdades extremas entre os países e dentro deles, tornam imperioso que se repense a totalidade do direito internacional contemporâneo.
5.A sustentabilidade e o fortalecimento da democracia, de crucial importância para ambos os sistemas de proteção, tornaram-se em nossos dias, tema de legítimo interesse internacional. Apesar dos avanços logrados nas últimas décadas pelos sistemas de proteção internacional nos referidos domínios, não hão, porém, de fazer-nos esquecer de que resta ainda um longo caminho .
10. Bibliografia
BENJAMIN, Antonio Hermann de Vasconcellos e, “Função Ambiental”, in Dano Ambiental : Prevenção, Reparação e Repressão. São Paulo : RT, 1993.
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro : Campus, 1992.
CAPELLA, Vicente Bellver. Ecologia : de las razones a los derechos..
CANOTILHO, José Joaquim de Gomes. Processo administrativo e defesa do ambiente. Revista de Legislação e Jurisprudência. Coimbra, n. 3.802.
CANOTILHO, J. J. Gomes & MOREIRA, Vital. Constituição da República Portuguesa Anotada.
CHARDIN, P. Teilhard de O fenômeno humano.
CHIARI, Sergio Matteini. “Azione di Resacimento del Danno all’Ambiente. Soggetti Legittimati a Proporla. Ruolo dei Singoli e delle Associazioni”, in La Tutela dei Beni Ambientali, Cedam, Padova, 1988.
FERRAJOLI, Luigi. Derecho y razón.
FIORILLO, Celso Antonio Pacheco e RODRIGUES, Marcelo Abelha, Manual de direito ambiental e legislação aplicável. São Paulo : Max Limonad, , 1999.
FIORILLO, Celso A Pacheco. Fundamentos Constitucionais da Política Nacional do Meio Ambiente : Comentários ao art. 1o da Lei n. 6.938/81, in Revista de Pós-Graduação do Direito da PUC-SP, n. 02, 1995.
PIOVESAN, FLÁVIA Direitos Humanos e o direito constitucional internacional. [s.e] São Paulo : Max Limonad, 1996.
RESEK, Francisco .Direito internacional público. 8 ed. São Paulo : Saraiva, 1996
SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. São Paulo : Malheiros, 1994.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 14 ed. São Paulo : Malheiros.
LAFER, Celso, A ruptura totalitária e a reconstrução dos direitos humanos, cit. p. 124 e s.
Interesses Difusos. São Paulo : Revista dos Tribunais, 1988.
TRINDADE, Antonio A Cançado. A proteção internacional dos direitos humanos. São Paulo : Saraiva, 1991.
Direitos Humanos e Meio Ambiente : Paralelo dos Sistemas de Proteção Internacional. [s.e.] Porto Alegre : Fabris Editor, 1993.
UNEP, Review of the Montevideo Programme for the Development and Periodic Review of Environmental Law, 1981-1991. Nairobi, agosto de 1991, p. 1-47).
VARELLA, Marcelo Dias. BORGES, Roxana Cardoso B. O Novo em Direito Ambiental. [s.e.]. Belo Horizonte : Del Rey, 1998.
VIGLIAR, José Marcelo Direitos Humanos Fundamentais. [s.e] São Paulo : Saraiva, 1995.
*Mestre em Direito Int. Público e Privado –Prof.da Uniban, Unicid , Unifieo , Ulbra e coordenadora da Scelisul.
[1] De acordo com : STF – Pleno – MS n. 22164/SP – rel. Min. Celso de Mello, Diário da Justiça, Seção I, 17-11-1995, p. 39.206). [1]
2Principios Gerais de Direito Público. 3 ed. Rio de Janeiro : Borsoi, 1966, p. 202.
[3] Ação Civil Pública. [s.e] São Paulo : Atlas, 1997, p. 42.
[4] Foi Karel Vasak que, na abertura dos cursos do Instituto Internacional dos Direitos do Homem, em 1979, apontou a existência dessa terceira geração, chamando-os de direitos de solidariedade, segundo informa Robert Pelloux, Vrais et faux droits de l’Homme, Revue du Droit Public et de la Science Politique em France et à l’étranger, Paris, Lib. Générale, 1981, n. 1, p. 58.
[5] TRINDADE, Antonio A Cançado. A proteção internacional dos direitos humanos. São Paulo : Saraiva, 1991.
[6] SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. São Paulo : Malheiros, 1994.
[7] Vide Celso Lafer, A ruptura totalitária e a reconstrução dos direitos humanos, cit. p. 124 e s.
[8] Interesses Difusos. São Paulo : Revista dos Tribunais, 1988, p. 59.
[9] Direitos Humanos Fundamentais. [s.e] São Paulo : Saraiva, 1995.
[10] Direitos Humanos e o direito constitucional internacional. [s.e] São Paulo : Max Limonad, 1996, p. 43.
[11] Direito internacional público. 8 ed. São Paulo : Saraiva, 1996, p. 223.
[12] BOBBIO, N. A era dos direitos. Rio de Janeiro : Campus, 1992, p. 69.
[13] VARELLA, Marcelo Dias. BORGES, Roxana Cardoso B. O Novo em Direito Ambiental. [s.e.]. Belo Horizonte : Del Rey, 1998, p. 19.
[14] Idem, ibidem.
[15] FERRAJOLI, Luigi. Derecho y razón, p. 861.
[16] CAPELLA, Vicente Bellver. Ecologia : de las razones a los derechos, p. 309.
[17] VARELLA, Op. cit, p. 21.
[18] Direitos Humanos e Meio Ambiente : Paralelo dos Sistemas de Proteção Internacional. [s.e.] Porto Alegre : Fabris Editor, 1993, p. 24.
[19] Cf. UNEP, Review of the Montevideo Programme for the Development and Periodic Review of Environmental Law, 1981-1991. Nairobi, agosto de 1991, p. 1-47).
[20] Documento UNEP/ENV.LAW/2/2, de 10/09/1991.
[21] Direitos Humanos e Meio Ambiente : Paralelo dos Sistemas de Proteção Ambiental. Porto Alegre : Fabris Editor, 1993, p. 28.
[22] Idem, ibidem
[23] Documento UNEP/ENV. LAW/2/3, de 22/11/1991.
[24] A expressão significa : entre outras coisas.
[25] Cf. Statement of the International Meeting of Legal and Policy Experts, Otawa, 1989, p. 2.
—————
arbitragem comercial internacional
Arbitragem internacional e Poder Judiciário
—————
DO RECONHECIMENTO E EXECUÇAO DA SENTENÇA ARBITRAL
—————
direito processual civil internacional
CONVENÇÃO DE HAIA SOBRE OS ASPECTOS CIVIS DO SEQUESTRO INTERNACIONAL DE MENORES
—————
cooperação jurídica internacional
—————
Contacto
Oporto Consultoria JurídicaAv. Guilherme Dumont Villares 650
São Paulo
05640001
011 2613-1373
oporto.silvia@ig.com.br